De acordo com o Dr. Marcos Henrique Mendanha quando ocorrer o caso do Médico Perito considerar o trabalhador “capaz” , a dispensa do empregado (rescisão do contrato de trabalho, sem justa causa), em tese, está permitida por lei. Lembremos que, de forma submissa ao INSS, o Médico do Trabalho/“Médico Examinador” terá de considerá-lo “apto” para retorno ao trabalho. Desta forma, o empregado também estaria “apto” num eventual exame demissional que fizesse, uma vez que, para o Médico do Trabalho/“Médico Examinador”, entendemos que os critérios clínicos dessas avaliações (exames admissional, periódico, demissional, retorno ao trabalho, e mudança de função) devem ser exatamente os mesmos, sob pena de haver condutas discriminatórias, com “pesos e medidas diferentes” para os exames realizados (no caso em análise, para os exames de retorno ao trabalho e demissional). Dessa foma, vieram os seguintes julgados:
EMENTA: “INCERTEZA QUANTO À APTIDÃO DO RECLAMANTE PARA O TRABALHO.
AFASTAMENTO. SALÁRIOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRINCÍPIO DA FUNÇÃO
SOCIAL. Se o empregador discorda da decisão do INSS que considerou seu empregado
apto para o trabalho deve impugná-la de algum modo, ou, até mesmo, romper o
vínculo, jamais deixar o seu contrato de trabalho no limbo, sem definição.
Como, no caso em exame, a reclamada somente veio a despedir o reclamante um ano
e nove meses após, incorreu em culpa, ensejando o pagamento de indenização por
danos morais, bem assim dos salários devidos no respectivo período. Isso porque
nos casos em que o empregado não apresenta aptidão para o trabalho e o INSS se
recusa a conceder-lhe o benefício previdenciário, incidem os princípios da
função social da empresa e do contrato, da solidariedade social e da justiça
social, que asseguram o pagamento dos salários, ainda que não tenha havido
prestação de serviço”. (RO 0000565-04.2010.5.05.0016).
EMENTA: “O empregador que impede o retorno ao trabalho de empregado
reabilitado pela Previdência Social e também não promove a rescisão contratual,
reencaminhando o empregado, de forma inútil aos cofres previdenciários,
responde pelo pagamento dos salários relativos a período ocorrente entre a alta
médica e efetivo retorno ao trabalho ou efetiva rescisão, pois o tempo em
questão é considerado como tempo dispendido à disposição do empregador”. (RO
0262400-22.2010.5.02.0362)
EMENTA: SALÁRIO SEM TRABALHO. DIVERGÊNCIA ENTRE PERÍCIA DO INSS E DO
MÉDICO DO TRABALHO DA EMPRESA. REPARAÇÃO DEVIDA PELA EMPRESA. Constatada a
divergência entre pareceres médicos advindos da empresa e da autarquia
previdenciária, cabe à empregadora, e não ao empregado, buscar a solução para o
impasse. Isso porque não se pode admitir que o reclamante fique impedido de
trabalhar, sem receber salários e sem a percepção de benefício previdenciário.
Devidos, pois, os salários do respectivo período de afastamento, ante a
atrativa responsabilidade da empresa. (0001503-82.2013.5.03.0134 RO)
EMENTA: INDEFERIMENTO DE MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RETORNO
AO TRABALHO. RECUSA DO EMPREGADOR. EFEITOS PECUNIÁRIOS. Se o empregador mantém
em vigor o contrato de trabalho, porém, impede que a empregada reassuma seu
posto ou qualquer outro que julgar mais adequado após a alta conferida pelo
INSS, deverá suportar os efeitos pecuniários advindos da suspensão desse
contrato, pois nos termos do art. 4 da CLT, “Considera-¬se como de serviço
efetivo o período em que o esteja à disposição do empregador, aguardando ou
executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.
(0001983-88.2012.5.03.0039 RO)
Convém-nos lembrar que, mesmo entre os juízes, existem olhares
diferentes sobre essa mesma questão. Minoritariamente (conforme nossa
pesquisa), alguns magistrados se expressam de outra forma. Vejamos:
EMENTA: “AUXÍLIO-DOENÇA. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. REINTEGRAÇÃO. NÃO
OBRIGATORIEDADE. No período de tempo em que o trabalhador solicita reconsideração
quanto ao pedido de auxílio-doença, o contrato de trabalho permanece suspenso,
nessa toada, irrelevante o fato da empresa saber ou não da alta médica, vez que
não poderá ser o trabalhador dispensado, tampouco há obrigatoriedade de
pagamento do referido período”. (TRT-SP RO 00436.2009.261.02.00-0)
EMENTA: DIREITO DO TRABALHO. TRABALHADOR CONSIDERADO INAPTO EM ASO.
INEXIGÊNCIA DAS OBRIGAÇÕES DE DAR TRABALHO E PAGAR SALÁRIOS. É indevido o
pagamento de salários quando o empregador nega trabalho a obreiro reputado
inapto para o exercício de suas funções em Atestado de Saúde Ocupacional,
máxime quando o próprio empregado assim também se considera, ajuizando ação
postulando a concessão do benefício acidentário. (0001428-74.2012.5.01.0056)
EMENTA: AFASTAMENTO PREVIDENCIÁRIO – RETORNO AO TRABALHO – READAPTAÇÃO –
Tendo a autarquia previdenciária considerado a reclamante apta para o retorno
às suas atividades e declarando o médico da ECT que a reclamante não pode mais
exercer as atividades de carteiro, incabível a recusa da ré em promover a
readaptação da empregada em função compatível com sua condição física.
(Processo: 0000571-28.2014.5.03.0080 RO)
O próprio manual de “Assistência e Homologação de Rescisão de Contrato
de Trabalho” (MTE, 2007) advoga (p. 29) que “o ASO que contiver a expressão
´apto com restrições´ equipara-se a ´inapto´, por falta de previsão jurídica
daquela condição atestada”. Discordamos.
Em resumo, mesmo com o entendimento da possibilidade legal da dispensa arbitrária (sem justa causa) desse empregado pelo empregador, entendemos que tal conduta deva ser muito bem pensada e refletida antes de realizada. Há exemplos de empregados dispensados que, mesmo estando “aptos” pelo Médico Perito do INSS, e pelo Médico do Trabalho/“Médico Examinador” no exame demissional, alegaram judicialmente que não poderiam ter sido desligados da empresa naquele momento por questões relacionadas à saúde (uma vez que tal conduta configuraria discriminação e afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana consagrado pelo art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988) e obtiveram indenizações favoráveis.
Além disso, a Súmula n. 443 do TST (editada em setembro de 2012) se
apresenta da seguinte forma:
“DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA
GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Presume-se
discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra
doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado
tem direito à reintegração no emprego.”
Vale lembrar que a Justiça do Trabalho considera o empregado como a
parte hipossuficiente na relação de trabalho, o que demanda uma série de
precauções a serem tomadas pelo empregador na construção de sua própria
segurança jurídica.
Inequivocamente, para explorarmos as situações mais dramáticas do nosso
cotidiano, na situação exposta ao longo de todo este texto, praticamente
desconsideramos as possibilidades de sucesso dos pedidos de recurso junto ao
INSS, e até mesmo das sentenças favoráveis ao empregado em ações judiciais
instauradas.
Em suma legalmente com relação à aptidão laboral, a decisão do Médico Perito do INSS deve prevalecer sobre a decisão do Médico do Trabalho/“Médico Examinador”, por mais polêmico que isso seja. No entanto, o assunto extrapola as balizas legais, fazendo com que o Médico do Trabalho/“Médico Examinador” assuma uma posição de destaque na conciliação de todos os atores envolvidos: empregado, empregador e INSS. Oportuno ratificar que a submissão legal do Médico do Trabalho/“Médico Examinador” jamais pode ser confundida com negligência médica. Isto é, o fato de o Médico do Trabalho/“Médico Examinador” ter de acatar (mesmo não concordando) a decisão do Médico Perito do INSS, por obediência legal, não o afasta do cuidado com o trabalhador em nenhuma hipótese.
Leia também: “O limbo jurídico previdenciário e trabalhista.”
Referência:
MENDANHA, Marcos Henrique. Medicina do Trabalho e Perícias Médicas:
aspectos práticos (e polêmicos) – 4 ed – p. 25-39. São Paulo: LTr, 2015.
Autor: Marcos Henrique Mendanha: Médico do Trabalho,
Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em
Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP. Perito Judicial / Assistente
Técnico junto ao TRT-GO e TRF-GO. Diretor Técnico da ASMETRO – Assesoria em
Segurança e Medicina do Trabalho Ltda. Autor do livro “Medicina do Trabalho e
Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Editor do
“Reflexões do Mendanha”, no site www.saudeocupacional.org. Coordenador do Congresso Brasileiro
de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas (realização anual). Coordenador
Geral do CENBRAP – Centro Brasileiro de Pós-Graduações.